quarta-feira, 7 de outubro de 2015

LEMBRANÇAS DA COMUNIDADE RIBEIRÃO DA ANTA

Ocorreu nesta segunda-feira (05/10), em sessão especial na Câmara do Vereadores de Tapiraí, a institucionalização do Dia da Comunidade Tradicional do Ribeirão da Anta, que contou com mais de 200 pessoas e presença de autoridades e membros patriarcas da Comunidade, como os 9 irmãos, membros da mais antiga família, lá está há mais de 70 anos.

Dentre as propostas apresentadas por vereadores e pela CBA, através do projeto Legado das Águas, uma é a criação de material histórico sobre a região, composto por documentos antigos, mapas, fotos, etc. Para tanto é público o convite a todos contribuírem com qualquer documento que tiverem em mãos, para garantir a importante história das Comunidades do Ribeirão da Anta e arredores.

Também foi muito questionado com veemência a ação de Reintegração de Posse ocorrida dias atrás, onde casas foram derrubadas e moradores despejados de suas casas.

Para homenagear esta data e toda a Comunidade o Tapiraí Hoje publica aqui texto de Cilene Faria de Moraes Barros, neta do Sr. Gumercindo e uma das integrantes da Comunidade que leu este durante a sessão deste dia 5 de outubro.

Leia o texto de Cilene aqui.




A comunidade do Ribeirão da Anta, teve o início de sua história na década de 20, onde o Sr. Gumercindo Alves da Silva, vindo do município de Ibiúna, fez sua cabana de pau à pique e começou a desbravar o sertão. Casou-se com Mariana Maria de Jesus também do município de Ibiúna e, com isso, resolveu trazer para este lugar sua esposa e filhos. Durante a viagem longa e cansativa pelo meio das matas os filhos mais velhos ajudavam a trazer os mais novos. 

Com a chegada da família teve início as plantações de lavoura e a origem do nome da comunidade, pois sua cabana ficava próximo a um ribeirão onde as Antas (animais da terra em grande quantidade na época) vinham matar sua sede.

No início da comunidade, até então composta apenas pelo senhor Gumercindo, esposa e filhos, tudo era realizado com muita dificuldade, não tinham vestimentas só as do corpo. Por isso, quando as roupas eram lavadas, tinha-se que ficar escondido dentro do quatro até as mesmas cercarem.

Com o decorrer dos anos, seus filhos e filhas se casaram e fizeram suas casas próximas à de seu pai. Os netos e netas também continuaram ali por perto, surgindo assim um bairro e com isso foi aumentando seus descendentes e se multiplicando e seus costumes e tradição foi passando entre as gerações, o qual pendura até os dias atuais.

As festas religiosas, entre elas a de São Gonçalo realizada na comunidade, atraiam pessoas de outras comunidades para confraternizar e festejar, junto aos membros da família. Tudo era realizado com muito carinho e dedicação, colocava-se mastro com imagens de santos, e nestes eram colocados os produtos retirados da terra para que tivessem boas colheitas. E também tinham bandeirinhas por todo o terreiro, que enfeitavam o local para realizar a tradicional dança de São Gonçalo e a catira.

Outra tradição na comunidade era o fim da quaresma, outra festa religiosa, o qual o Sr. Gumercindo fazia questão que todos os adultos e as crianças a partir de 7 anos fizessem o jejum. Os homens e meninos iam até o Rio Juquiá Guaçu, que ficavam cerca de  um quilômetro, para pescar. Mesmo depois que o rio foi represado pela CBA o costume continuou, e enquanto os homens pescavam as meninas e as mulheres ficavam a preparar os demais pratos para que todos almoçassem juntos como uma grande festa e uma forma de gratidão e agradecimento pelas bençãos recebidas.

E a tradição continua. Com a união dos membros da comunidade para fazer o monjolo, onde realizavam junto desde o corte da árvore até a fabricação manualmente do monjolo. Outra demonstração da união que existia na comunidade era na construção da canoa (transporte da época), esteiras feitas de taboa (planta aquática) que eram utilizadas como cama, e as gamelas, uma vasilha com forma de bacia esculpida em madeiras de árvores, tudo isso realizado manualmente. Demonstravam o seu espírito familiar também com os alimentos pois, quando matava um porco, ou caçavam um animal, este era dividido entre os membros da comunidade. A carne era armazenada dentro de latas com óleo para que se conservasse por mais tempo.

Tantas dificuldades encontradas pelas famílias para chegar até a vila, hoje cidade de Tapiraí, onde andavam aproximadamente 5 horas com crianças e objetos (mercadorias) que vendiam ou trocavam por alimentos, outra dificuldade também encontrada pela comunidade, pois seus filhos não tinham como frequentar uma escola no sertão, uma pessoa conhecendo as dificuldades e a união da comunidade e dos bairros ao redor, resolveu criar uma escola no bairro próximo, onde as crianças em idade escolar começaram a frequentar. Andavam por cerca de seis quilômetros, entre mata fechada e travessia de rios, mas com a garra e determinação de seu patriarca Gumercindo, não desistiram e ainda repassavam para os seus país e para os demais que podiam não frequentar.

Com o aumento do número de crianças do bairro, foi fundada a primeira escola para netos e bisnetos garantindo a praticidade de estudar no bairro, inclusive o convívio das crianças se tornavam mais constante.

A comunidade como uma grande família que é, os primos se consideravam como irmãos e se tratavam como tal, um cuidando do outro.

Aos poucos as coisas foram melhorando. A estrada de acesso à cidade, que antes era trilha feita pelos homens no enxadão, enfim foi melhorada pela CBA com suas máquinas e funcionários. Os homens da comunidade não só trabalhavam na lavoura, mas sim na companhia, porém sua família continuam na comunidade, esperando-os mesmos todas as tardes.

Para chegar a Vila do Alecrim ou Porto Raso, já não era somente com as canoas e barcos pela represa já tinha um transporte realizado pela empresa.

Não poderia deixar de relatar sobre a felicidade de ouvir histórias, lendas contadas pela minha vó e pelo meu bisavô (o qual todos o chamavam de padrinho) mesmo com idade avançada fazia questão de repassar as suas histórias com entusiamo para netos e bisnetos. Essas histórias e a tradição que foi passada por gerações como: a farinha de milho feita artesanalmente no monjolo, os artesanatos de bambu, taquara e cipó, as comidas que só de ouvir falar já me reporto na minha infância: pamonha no caetês, galinha caipira com cebolinha e manjerona, ovo assado na palha, paçoca de carne ou  amendoim, cheiro de café torrado e moído no pilão, colhido ali mesmo no quintal.

Quando alguma das minhas tias ou tias-avós iam fazer farinha de milho nós as crianças ficavam na expectativa para comer biju com leite em pó e açúcar.

Lembro das brincadeiras no campinho, no terreiro das casas enquanto os adultos malhavam o feijão, ou simplesmente conversavam, os banhos no Tubão, no qual as crianças menores achavam grandiosos ver as maiores, passar por dentro dos tubos que estavam por debaixo da estrada ou dar saltos mirabolantes isso era para os menores fantástico, ou apenas tomar banho na bica do monjolo.

As festas de final de ano, onde reuníamos para brincar e brincávamos até anoitecer, com as crianças de outras localidades que iam nos visitar.

Tudo para as crianças era alegria, principalmente quando alguns adulto via até Tapiraí no comércio do Sr. Hideo Tiba fazer compras e o padrinho bisavô Gumercindo levava balas para todas as crianças.

O barzinho da vó Ana, sempre com doces, balas, entre outros alimentos, para que pudéssemos comprar até chegar o próximo mês de ir a cidade fazer compras novamente.

Como é bom recordar e fazer o passado-presente e revivê-lo.

Mas o passado, ainda está presente não só na memória, mas também em nossa tradição que continua viva em nossa comunidade: o monjolo, farinha de milho, pesca, os passeio de barco, os banhos no Tubão, o campinho, as diversas trilhas e as matas preservadas e, o principal, a união de todos e o espirito familiar, o amor das pessoas pelo local onde tem tradição e histórias impossíveis de relatar em apenas algumas linhas e sim está guardadas na memória e no coração de cada pessoa desta comunidade. E que pode ser contada por cada um e este ficará feliz em relatar para algum de vocês que ficaram curiosos em conhecer nossa comunidade, nossa casa .

Ribeirão da Anta não é somente um bairro mas sim uma grande Família esperando a visita de vocês.

Cilene Faria de Moraes Barros
05/10/2015













Um comentário:

  1. Muito legal o texto, lembrei um pouco da minha infância... parabens Cilene.

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